REFLEXÕES DE UM TERMINAL
Por Carlos Barros
As noites são tristes nos hospitais. Escuto gemidos e lamentações. Doentes de outras enfermarias. Caminho até a porta. Ouço passos. Funcionários de plantão que passam indiferentes. Não sou o primeiro nem o último que vai morrer. Eles sabem disso. Odeio hospitais. Sempre odiei. Corredores solitários à noite. Vejo silhuetas. Escuto sussurros. Sinto medo. O som lastimoso não suaviza. Sou apenas mais um que deixará de existir. O que encontrarei depois da morte? Deus ou o Diabo? Haverá um Paraíso? Haverá um Inferno? Talvez nada. Ninguém preservará meu nome. Serei como os animais extintos. Acabaram-se meus planos e projetos. Tudo irá para debaixo da terra.
Volto para minha cama. Não consigo dormir. Sinto dores. A enfermeira se aproxima.
– Como vai, tá sem sono?
– Sem sono e com dores.
– Mas vai passar. Tome esse remédio que você vai dormir.
– Acho que você já viu muita gente morrer aqui.
– Como?
– Eu vou morrer, mas para vocês serei apenas um entre tantos.
– Não pense nisso. Tente dormir.
– Você tem medo da morte?
– Claro que tenho. Acho que todo mundo tem. Agora procure dormir.
Ela saiu. Fiquei só novamente. Mas por que lamentar? A morte é algo solitário. Cada um com sua própria morte. E essas dores que me atormentam. Será que a morte será um alívio para minha aflição? Como amo a vida. Não queria morrer. Será que estou amargurado por mim ou por aqueles que vão ficar? Tolice. Logo esquecerão. Talvez sintam minha falta no início. Depois o completo esquecimento. Retornarão à rotina. Descobrirão novas alegrias, novos sentidos para suas vidas. Verão outros nascerem, outras invenções tecnológicas, outras descobertas, outras mortes. O tempo é parceiro da Morte.
Não quero adormecer, mas o efeito do remédio já se faz presente. Devagar como a morte. Essa deusa escondeu-se na taça oferecida ao filósofo Sócrates. Sua força impulsionou a guilhotina sobre o pescoço de Maria Antonieta e Danton. Deusa que ceifa tudo e todos.
O sono chega lentamente. A Morte misteriosa oferecendo seu abraço morno. Abraço que por fim deixará meu corpo gélido. Talvez a última noite. Os últimos sonhos. A derradeira vontade de ver o sol nascer. Os últimos pensamentos. O último gozo da vida. Logo serei carne em decomposição. Meu corpo será dedicado como festim aos vermes. Gozarão ao devorarem minha língua e meus olhos. Nas entranhas do meu íntimo há uma estranha agitação. Algo parece avizinhar-se. Desvendarei o maior enigma da existência humana? Já não tenho forças para escrever. Amanhã continuo. Se houver um amanhã.
Por Carlos Barros
Saberes e Olhares
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Olá Carlos, já que é impossível comentar os seus contos na UEPB, o fiz em Remígio! achei nesse texto de Machado um comentário que acredito ser de seu interece, do interece desse seu texto:
“Um dia, o nosso Rubião, acompanhando o médico até à porta da rua, perguntou-lhe
qual era o verdadeiro estado do amigo. Ouviu que estava perdido, completamente perdido;
mas, que o fosse animando. Para que tornar-lhe a morte mais aflitiva pela certeza?…
– Lá isso, não, atalhou Rubião- para ele, morrer é negócio fácil. Nunca leu um livro
que ele escreveu, há anos, não sei que negócio de filosofia. . .
– Não; mas filosofia é uma cousa, e morrer de verdade é outra; adeus.”
[Machado de Assis, Quincas Borba]
até logo me professor, espero que tenha gostado do filme, inspirado também, na obra de Machado,: Quincas berro d’agua.
Olá Helder. É sempre um prazer receber seus comentários. Gostei muito de ter trazido o gênio Machado de Assis para sua análise. Li esta obra, mas já faz um bom tempo. Uma maravilha da nossa literatura. Não pude ainda assistir o filme, mas logo terei a oportunidade. Você é sempre bem-vindo. Grande abraço. Carlos